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Ensaios / Críticas

[CINECLUBE UFMG - ]

07/26/2002

Akira



"Akira"

"Porque... já começou."

Akira (JAP, 1988, Dir.: Katsuhiro Otomo)

No Japão, as histórias em quadrinhos e os desenhos animados não são como os do ocidente. Considerados uma parte normal e comum da cultura japonesa, essas formas de expressão são consumidas por homens e mulheres de todas as idades e classes sociais, e existem dezenas de tipos diferentes para atender a todos os gostos. Os manga (pronuncia-se "mân-gá", sem sílaba tônica) são revistas grossas, com centenas de páginas, publicadas semanalmente e impressas com tinta colorida em papel reciclado. Custam pouco e podem ser compradas em livrarias, bancas de revista e até em máquinas no metrô. Os desenhos animados (á-ní-mê) são exibidos, com grande sucesso, na TV e no cinema, e um deles ("Princesa Mononoke", de Hayao Myiazaki) chegou a desbancar a bilheteria de "Titanic" no Japão, sendo superado apenas por outro anime do mesmo diretor.

Isso tem acontecido desde antes da II Guerra Mundial, quando Osamu Tezuka deu início a suas criações, fortemente influenciado pela cultura tradicional japonesa e pelos trabalhos dos estúdios de Walt Disney. Seguindo seus passos, toda uma tradição se formou e, hoje, os anime e manga fazem parte da imagem do Japão no resto do mundo, tanto quanto o samba e o futebol fazem parte da nossa.

Quem cresceu no Brasil dos anos 70 e 80 pôde ver um ou outro anime na TV. Na Record, o Capitão Asa exibia animes como "Fantomas" e "Speed Racer". Na Manchete, nos anos 80, o Clube da Criança (apresentado por uma tal de Xuxa Meneghel) exibia "Pirata do Espaço" e "Patrulha Estelar". Todos esses se tornaram clássicos, mas ainda estavam muito distantes da realidade dos animes. Eram desenhos toscos, mal animados, vagamente criativos e, apesar de serem mais interessantes do que os similares norte-americanos e europeus, ainda eram canhestros e pouco ousados.

Subitamente, "Akira".

Katsuhiro Otomo nasceu em 1954, no Japão, e cresceu assistindo a vários filmes norte-americanos antigos. Começou a trabalhar com animação em 1973, paralelamente com sua carreira como autor de mangas. Seu estilo diferente logo se destacou entre os centenas de concorrentes. Depois de ganhar um prêmio de literatura de ficção-científica, que até então só era dado a escritores de livros, Otomo começou a publicar uma série de manga que mudaria tudo. "Akira" começou a ser publicado no final de 1982, sem que ninguém desconfiasse que ali nascia uma lenda de dimensão mundial.

A trama do manga não era das mais simples. Começava na mesma época em que estava sendo publicada, 6 de dezembro de 1982, e dizia que uma explosão sem origem conhecida destruíra a cidade de Tóquio naquela mesma data. A história ia então para o futuro próximo, na cidade de Neo-Tóquio, construída sobre as cinzas da anterior. Nesse mundo cyberpunk, gangues de motoqueiros travam batalhas campais nas ruas, enquanto manifestantes protestam contra o governo, e o exército faz experiências secretas para usar jovens com poderes sobrenaturais como armas de um novo exército. Kaneda e Tetsuo, dois amigos de infância, se metem num redemoinho complexo de paranóia, tramas sinistras e muita alucinação, e sua amizade é colocada à prova quando Tetsuo é transformado em uma das cobaias do exército. Tudo isso com muitos flashbacks, sangue, morte, poderes sobrenaturais, guerras intercontinentais, o Novo Império, o Poder e o Fluxo.

O manga fez tanto sucesso que, antes mesmo de escrever o final da história, Otomo foi convidado para fazer uma versão em anime. Essa tarefa não seria simples, e isso acabou obrigando-o a dar um final meio fraco para o manga, que ele mesmo reescreveu alguns anos mais tarde.

A produção de "Akira" foi trabalhosa e cara. Transformar 2.160 páginas de história em quadrinhos em 120 minutos de desenho animado não é nada fácil (isso dá uma média de 18 páginas por minuto, ou seja, 3,333... segundos por página). Por isso, Otomo fez uma adaptação da história original, mantendo os elementos básicos e modificando um pouco a trama. Mas isso não quer dizer que a história ficou bem explicada. Mas também não significa que a história deveria ser explicada.

Nós, ocidentais, assim como os bêbados, somos valentes e achamos que temos toda a razão. Isso fez com que muitos de nós que assistiram "Akira" pela primeira vez o achassem chato, longo, arrastado, bobo, sem conteúdo, sem lógica, e com um final totalmente sem sentido.

Eu poderia gastar muitas páginas explicando a história de "Akira", o que é o Poder, o que é o Fluxo, o que é aquela bola branca que Akira cria em volta da cidade, e tudo isso. Mas vou resumir tudo o que eu penso sobre a trama de "Akira" em uma simples frase: as primeiras críticas a "2001 - Uma Odisséia no Espaço", de Stanley Kubrick, diziam que o filme era chato, longo, arrastado, bobo, sem conteúdo, sem lógica, e tinha um final totalmente sem sentido.

Longe de mim comparar Otomo com Kubrick, e tenho certeza que Otomo concorda comigo nisso. No entanto, o impacto que "Akira" teve no mundo todo é sentido até hoje. Somente um grande filme incentivaria uma restauração que custou mais de um milhão de dólares. É isso mesmo: o interpositivo original do filme foi restaurado digitalmente, o som foi remontado, redublado, remixado e certificado pela THX. Além disso, em meados dos anos 90, a Sony Pictures chegou a fazer o orçamento de uma versão live-action de "Akira". Preço estimado: 300 milhões de dólares. Perto disso, um milhão de verdinhas por uma restauração até que saiu barato.

O que importa é o seguinte: o filme existe; tornou-se um fenômeno; ganhou fãs no mundo inteiro; e abriu as portas do mercado ocidental para o mercado japonês. Os grandes estúdios de animação, como a Disney e a Hanna Barbera, mudaram suas formas de pensar e ver a animação. O mercado de mangas e animes nunca esteve tão forte no mundo inteiro, e a cultura japonesa está entrando cada vez mais no ocidente.

É claro que podemos questionar o conteúdo dos grandes sucessos da atualidade, como "Dragon Ball Z" e "Pokemón". Mas vou deixar esse debate para outra oportunidade. "Akira" é um longa-metragem direcionado a adolescentes e adultos, e não foi criado para vender brinquedos, nem foi baseado em video-games. Encarar os animes e mangas com preconceito é ignorar uma forma de expressão vasta e complexa, uma forma diferente de ver o mundo e de entreter.

Eu sou Tetsuo.


Daniel Leal Werneck faz filmes, mas prefere falar sobre eles, porque é muito mais barato e divertido.






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